A Vida Intelectual
A.-D Sertillanges
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Este resumo não se propõe a substituir a leitura da bela obra do Pe. Sertillanges, mas pretende apresentar o núcleo dos ensinamentos por ele transmitidos, aliciando o leitor a conhecê-la em profundidade. Uma das finalidades no LABORATORIUM é fazer uso do conhecimento do passado ao olhar o presente, portanto procuraremos atender aos problemas contemporâneos ao estudar esta obra. Este resumo é, simultaneamente, um manual de estudo e uma reflexão filosófica.
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Capítulo I – A vocação intelectual
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Antes de avançar, pensemos no que significam para nós hoje os termos “vocação” e “intelectual”. Entendemos a vocação como o mero talento ou capacidade acima da média para alguma actividade ou serviço, contudo, o verdadeiro significado de vocação – chamamento – impõe que exista o chamado e o chamador. É uma relação entre dois seres, e deduz-se que, se há um que chama, é porque quer algo do ser chamado, e por sua vez o chamado tem o poder de atender ou não ao chamamento. É assim entendido o sentido de vocação nesta obra.
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VOCAÇÃO: Do Latim VOCATIO, “um chamamento”, de VOCATUS, “pessoa chamada”, de VOCARE, “chamar”, de VOX, “voz, som, chamado, grito, fala”.
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Se temos dúvidas quanto à nossa vocação olhemos para o nosso ânimo. O que o desperta? Que actividade, fruição ou serviço acende em nós as luzes do espírito? É certo que o prazer, por si só, isto é, a sensação efémera, vale pouco perante a realidade da eternidade, e vale pouco perante o próprio potencial humano. Mas se o prazer nos toca de mãos dadas com os nossos dons, essa é a receita da vocação – quando amamos aquilo que fazemos melhor.
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INTELECTUAL: Do Latim INTELLECTUS, “discernimento, compreensão”, da mesma raiz de “inteligência”.
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O termo “intelectual” está hoje contaminado por uma cosmovisão marxista, isto é, que baseia todo o entendimento sobre a sociedade humana na questão da classe, baseando todo o entendimento de classe na questão económica.
O intelectual moderno é feito através da sua rede social de contactos, e não necessariamente pela qualidade da sua inteligência ou do seu carácter. Este é um dos motivos pelos quais a classe falante tem vindo a perder prestígio. Muitos de nós intuem uma certa falsidade da casta intelectual, e no caso português (e possivelmente em outros) ela parece ser composta por dois tipos: os intelectuais mediáticos – humoristas, partidários ou “independentes” com objectivos político-sociais –, e os intelectuais de vocação – esses, quase desconhecidos.
Neste primeiro capítulo o Pe. Sertillanges começa por dar a forma do que é a vocação intelectual. Ele apresenta três pontos fulcrais:
- o intelectual é um consagrado
- o intelectual não é um isolado
- o intelectual pertence ao seu tempo
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I – O intelectual é um consagrado
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CONSAGRAR: Do Latim CONSACRARE, “tornar sagrado”, de COM-, “junto”, mais SACRARE, de SACER, “santificado, sagrado”.
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“Precisam de se dar de alma e coração à conquista da verdade, visto que a verdade só presta serviços a quem a serve”.
A ideia chave é a seguinte: O intelectual é consagrado porque é guiado somente por Deus. Ele é tornado sagrado pela sua dedicação à verdade e pela promessa da sua fidelidade a ela. A sua função é inteligir a realidade – Deus – e expressá-la à humanidade – a herança cultural.
O trabalho será penoso, mas ele estará seguro enquanto se mover por dentro da verdade, e o que pode mantê-lo dentro desse domínio é, por um lado, o seu desejo de estar nele, e por outro, a perseverança e a disciplina no estudo. A prática faz a perfeição, e segundo esta lei ele se tornará gradualmente mais apto a distinguir os factos das ilusões.
Os riscos podem ser vistos na forma dos pecados capitais: a preguiça que o leva a rejeitar o esforço e a disciplina; a gula que o coloca num frenesim de estímulos, dos quais ele não saberá tirar proveito; a luxúria, em todos os seus sentidos, pode desviá-lo do caminho pelo apego aos prazeres carnais, ou pela corrupção material; a ira que o impede de construir pacientemente os alicerces do seu destino; a soberba que o ilude, achando-se o detentor da verdade; a avareza que o torna individualista e o distancia da fé necessária nesta empresa.
A vocação
Se a nossa vocação é o estudo e a produção intelectual, apressemo-nos a desmistificar certos obstáculos: não é preciso ser génio, mas é preciso inteligência; não é preciso todo o tempo do mundo, mas saber aproveitar o tempo disponível; não é preciso grandes recursos, pois aquele que é “eleito do espírito” tenderá a actuar a sua vocação em qualquer circunstância, ainda que isolado.
Para cada um de nós todos os caminhos são maus, excepto aquele no qual realizamos a nossa vocação. Rejeitar a vocação é ser infiel a Deus, a si mesmo e à humanidade. Faz parte da Vontade Divina que cada um realize aquilo que lhe é próprio, como uma boa videira produz boas uvas, e não maçãs ou laranjas.
“Se sois porta-luz, não escondais, por baixo do alqueire, o brilho pequeno ou grande que de vós se espera na casa do Pai de família. Amai a verdade e os seus frutos de vida, para bem vosso e dos outros; consagrai ao estudo e à sua utilização o principal do vosso tempo e do vosso coração”.
Ideias-chave deste subcapítulo:
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A dedicação à vocação intelectual é o profundo desenvolvimento do espírito.
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O objectivo do esforço do intelectual é responder ao apelo do Espírito por meio dos dons concedidos por Ele.
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A vida de estudos é exigente e contém riscos. É preciso firmeza e perseverança.
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As nossas disposições e o nosso gosto, quando aliado às aptidões e à providência de Deus, são a medida pela qual percebemos a nossa vocação.
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Para cada um de nós todos os caminhos são maus, excepto aquele no qual realizamos a nossa vocação.
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É necessário a prece, o pedido incessante e o trabalho para que a luz do Espírito conceda ao estudioso os frutos tão procurados.
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Para um percurso produtivo, é preciso alicerçar o trabalho nas causas do saber.
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A dificuldade aguça a vontade, enquanto a fartura enfraquece o espírito. Demasiado sol seca a colheita.
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O público pode também ser um factor alienante. Mais vale a solidão produtiva.
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Duas horas por dia são suficientes para o estudo.
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II – O intelectual não é um isolado
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ISOLAR: Do Latim INSULARE, “fazer ficar como uma ilha”, de INSULA, “ilha”.
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“O isolamento é inumano: porque trabalhar humanamente é trabalhar com o sentimento do homem, das suas necessidades, das suas grandezas, da solidariedade que nos liga numa vida estreitamente comum.”
A vocação intelectual exige alguma dose de solidão, mas nunca um isolamento. Como dizia Goethe, “o talento molda-se na solidão; o caráter, na convivência.” É fulcral para a vida de estudos que a pessoa encontre o equilíbrio entre a solidão e a convivência. Por vezes, se o homem se isola, corre o risco de perder o contacto com a humanidade, porém o intelectual verdadeiro pode estar distante fisicamente, mas nunca se afastará, no seu coração, das grandes questões humanas, tão pouco se retirará da responsabilidade de encontrar soluções para elas. O que dá a forma ao intelectual consagrado é a presença eminente da humanidade dentro de si mesmo.
Faz parte da função e dos deveres do intelectual impactar e despertar as vidas alheias. Ele trabalha na solidão, mas o material que ele usa está também no mundo, espalhado por toda a parte. Ele vai ao mundo recolher material, vem para dentro de si, e com a presença total do Ser faz o seu trabalho, apenas para devolvê-lo ao mundo. Este é o ideal.
“Toda a verdade é vida, orientação, caminho em ordem de alcançar o fim humano. Por isso Jesus Cristo reuniu numa só afirmação:
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.”
Ideias-chave deste subcapítulo:
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O intelectual, porque é consagrado, não deve isolar-se.
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O que dá a forma ao intelectual é a presença eminente da humanidade dentro de si mesmo.
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Toda a verdade é prática, toda a verdade é vida e orientação convergente para a finalidade do homem.
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Se toda a verdade é prática, ela tem sempre utilidade, e a função do intelectual é colocá-la à disposição, bem como actuá-la.
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A função do intelectual é despertar nos homens a luz. “Descobri o que pode arrancá-los [os homens] à noite, enobrecê-los, o que de perto ou de longe os salva. Só as verdades redentoras são Santas”
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O intelectual cristão conserva e continua o legado de Jesus Cristo, cujo espírito o preenche e o inspira, e cuja vida e modo de actuar lhe serve de exemplo. Assim, façamos, “trabalhando como Jesus meditava, haurindo, como Ele, nos mananciais do Pai, com o intuito de difundir.”
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III – O intelectual pertence ao seu tempo
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“Utilizemos, como vivos, o valor dos mortos. A verdade é sempre nova. Todas as virtudes antigas querem reflorescer, exactamente como a erva da madrugada beijada pelo orvalho. Deus não envelhece. É mister ajudá-lo a renovar, não os passados enterrados, nem as crónicas extintas, mas a eterna face da terra.”
O apego ao passado em detrimento do presente é uma forma de alienação. Se olhamos para o passado, que seja apenas para encontrar nele os frutos que nos sirvam de alimento hoje, as luzes que iluminem o caminho desejável, e o conhecimento que renove o nosso espírito para que não cessemos de florescer.
Bebendo de todas as fontes de onde brota a verdade – essas, por vezes, inesperadas – o intelectual consagrado trabalha para atender as dores do seu tempo, visto que é esse o seu único campo de acção possível.
Ideias-chave deste subcapítulo:
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O trabalho do intelectual consagrado deve servir o seu tempo.
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O conhecimento do passado que sirva o presente é precioso, mas o apego ao passado obsoleto é alienante.
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NO PRÓXIMO CAPÍTULO
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Capítulo II – As virtudes do intelectual cristão
I – As virtudes comuns
II – A virtude própria do intelectual
III – O espírito de oração
IV – A disciplina do corpo
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