A Vida Intelectual
A.-D Sertillanges
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Este resumo não se propõe a substituir a leitura da bela obra do Pe. Sertillanges, mas pretende apresentar o núcleo dos ensinamentos por ele transmitidos, aliciando o leitor a conhecê-la em profundidade. Uma das finalidades no LABORATORIUM é fazer uso do conhecimento do passado ao olhar o presente, portanto procuraremos atender aos problemas contemporâneos ao estudar esta obra. Este resumo é, simultaneamente, um manual de estudo e uma reflexão filosófica.
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Capítulo II – As virtudes do intelectual cristão
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VIRTUDE: Do Latim VIRTUS, “força moral, valor, hombridade”, de VIR, “homem, varão”.
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A virtude contém a intelectualidade em potência, pois ela nos conduz ao supremo saber. Ser virtuoso é estar submetido, de coração, a uma ordem moral cujo domínio se constitui da interdependência de grandes valores, como a verdade, o bem, o belo.
A unidade da vida constitui-se pelo amor – este amor, que é o princípio da união do conhecimento e da prática, não ocorre sem virtude. A verdade vem ao encontro dos que a amam e dos que não lhe resistem.
Acima da inteligência está a virtude, pois é ela que orienta o uso do intelecto. A inteligência é a capacidade de inteligir a verdade; a virtude é a saúde da alma que intelige. O intelecto é um instrumento; é o carácter que determina o uso que se faz dele e, consequentemente, os seus efeitos.
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I – As virtudes comuns
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Se o nosso carácter vacila, atrofia-se o sentido das grandes verdades. Se perdemos o sentido da verdade, isto é, a capacidade de perceber a verdade, um erro mínimo de julgamento no início facilmente se transforma num erro monstruoso no final.
A lógica – o estudo das relações possíveis entre certas proposições – pode catapultar o pensamento para o erro se a capacidade de julgar primeiro as premissas estiver atrofiada. Isto acontece porque a lógica, em si, não lida com a verdade, mas sim com a validade dos processos de raciocínio que podem ou não referir-se a experiência factual.
Todas as verdades estão interligadas; a homenagem prestada ao facto é a mais decisiva de todas, isto é, o reconhecimento, a aceitação e a assunção da realidade. Quando prestamos homenagem à verdade da vida aproximamo-nos das “claridades supremas” e do que delas depende.
A verdade e o bem são inseparáveis.
“Alimentando a verdade, ilumina-se a consciência; fomentando o bem, guia-se o saber.”
Não pensamos apenas com a inteligência, mas com todo o ser. Para pensar bem, há que pensar com a alma saudável. Se o ser está aprisionado em vícios, disperso pela solicitação das paixões, desorientado pelas dores da vida, o pensamento fica tolhido e a inteligência refém. A pureza do pensamento exige a pureza da alma.
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CIÊNCIA: Do Latim SCIENTIA, “conhecimento”, de scire, “conhecer, saber”.
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A ciência é o conhecimento pelas causas. A ciência exige o uso da atenção, que recorta o campo de investigação e mantém o nosso foco no processo; de seguida, do juízo, que testemunha os resultados da investigação. Quais são então os inimigos do saber, e consequentemente, da virtude? Os vícios que dispersam a atenção e maculam a capacidade de juízo:
Preguiça, «sepulcro dos melhores dons»;
Luxúria, «que enfraquece e prostra o corpo, enegrece a imaginação, embota a inteligência, dissipa a memória»;
Orgulho, «que ora deslumbra, ora entenebrece, que nos arrasta para o nosso próprio senso a ponto de nos fazer perder o senso universal»;
Inveja, «que recusa obstinadamente uma claridade vizinha»;
Ira, «que rejeita críticas e se apega ao erro».
“O exercício das virtudes morais, afirma por sua vez S. Tomás de Aquino, das virtudes que refreiam as paixões, importa sobremaneira para a aquisição da ciência.”
Vemos o mundo segundo o que somos; é quando a verdade é amada e realizada como prática de vida que se revela como princípio. Isto era ao que Jesus se referia quando disse:
“Ninguém pode entrar no Reino de Deus se não nascer da água e do Espírito.”
(João 3:5)
É o “nascer da água e do espírito” que inicia essa vida virtuosa, calçada na verdade, e caminhando para níveis cada vez mais amplos de revelação dessa verdade.
“Não nos aproximamos da verdade pelo que em nós há de individual, mas participando do universal.”
Ideias-chave deste subcapítulo:
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A virtude é a saúde da alma.
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Acima da inteligência está a virtude, pois é ela que orienta o uso do intelecto.
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Se o carácter vacila, atrofia-se o sentido das grandes verdades.
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A verdade vem ao encontro dos que a amam e dos que não lhe resistem.
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Para pensar bem, há que pensar com a alma saudável.
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II – A virtude própria do intelectual
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ESTUDO: Do Latim STUDIO, “aplicação zelosa em qualquer coisa, ardor”.
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A virtude própria do intelectual é a estudiosidade. Segundo S. Tomás de Aquino, a estudiosidade pressupõe a temperança, para que saibamos distribuir o nosso tempo de forma a atender a todos os deveres normais da vida. Embora o estudo seja a nossa função, não é a única.
Pois que existem dois defeitos opostos na vida de estudos: a negligência e a vã curiosidade. A negligência adia o conhecimento e o auto-aperfeiçoamento por falta de actividade; a vã curiosidade impede o aprofundamento do estudo.
A vã curiosidade pode dominar o ofício especialmente se a pessoa tem como objecto de desejo o título de intelectual, e não propriamente o conhecimento. Deste modo, ela procurará acima de tudo construir uma imagem de si que a apresente como um intelectual sem realmente chegar a sê-lo.
Por outro lado, o estudo bem sucedido nem sempre é o correcto na visão ampla das coisas; o intelectual consagrado deve saber cumprir todos os seus deveres da vida, ao invés de trocar a vida pelos livros. E mesmo quando a vida parece roubá-lo das horas de estudo, ele deve saber discernir o valor de cumprir a sua responsabilidade para com o próximo. O risco da vã curiosidade é perder o contacto com a Vida real para ficar vagueando num universo nominalista de ilusões e suposições.
“O sábio começa pelo princípio e só dá novo passo depois de ter consolidado o precedente.”
É de suma importância que saibamos ver o ponto exacto onde nos encontramos – quais são as nossas bases intelectuais, qual é o nosso grau de ciência, quais são as nossas possíveis limitações. Só estando em plena consciência daquilo que somos é que podemos caminhar com confiança. O caminho ideal é chegarmos a ser aquilo que somos, nem mais, nem menos.
"Não busques mais do que podes", "Resolve-te a entrar no mar pelos regatos, e não directamente."
S. Tomás de Aquino
A par da observação dos objectos do mundo, é vital a meditação directa das “coisas de Deus”. Alterna-se o estudo com a oração, para que o trabalho seja completo, para que se perscrute o “dentro” e o “fora”.
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MEDITAR: Do latim MEDITARE, é uma concentração cuidadosa do pensamento, um refletir profundo, um exercício interior.
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“A ordem do espírito deve corresponder à ordem das coisas. No real tudo ascende para o divino, tudo dele depende, porque tudo dele procede. Na efígie do real em nós notam-se as mesmas dependências, a não ser que tenhamos transformado as relações da verdade.”
Ideias-chave deste subcapítulo:
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A estudiosidade pressupõe a temperança, a sabedoria da distribuição do tempo e da atenção.
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Há dois defeitos opostos na vida de estudos: a negligência e a vã curiosidade.
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O risco da vã curiosidade é perder o contacto com a vida real.
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A pessoa que procura o título "intelectual" em detrimento do ofício em si não faz mais do que alimentar um vício.
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«O sábio começa pelo princípio e só dá novo passo depois de ter consolidado o precedente.»
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O caminho ideal é chegarmos a ser aquilo que somos, nem mais, nem menos.
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É vital a meditação directa das “coisas de Deus”
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III – O espírito de oração
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Repetimos: a ciência é o conhecimento pelas causas. Além dos detalhes, e mesmo além dos factos, o que realmente importa são as relações de dependência que perfazem a vida da natureza. Por trás de todas as dependências está a dependência primeira – a causa primeira – de onde tudo procede, da qual tudo depende.
“No âmago de todas as ligações, o supremo Laço; no cimo das comunicações, a Fonte; debaixo das trocas, o Dom; sob a sístole e a diástole do mundo, o Coração, o imenso Coração do Ser.”
A função suprema da inteligência é uma função religiosa. Se a inteligência é a capacidade de inteligir a verdade, ela depende essencialmente da Verdade última. A Verdade é Deus.
A realidade não está limitada ao que é visível e passível de ser analisado pela ciência. Há nela um aspecto transcendental que se torna inteligível pela observação dos seus processos: “é a revelação da sua sabedoria pelas leis, do seu poder pelos efeitos, da sua bondade pelas utilidades, da sua tendência para se difundir pelas trocas e pelo crescimento”.
A realidade é também uma encarnação do Espírito, e separar “este «corpo de Deus» do seu Espírito é abusar dele, como é abusar de Cristo ver nele puramente o homem."
É pela força da oração que a pessoa acessa o manancial de onde brotam todas as verdades. Cada verdade conhecida é um reflexo da Verdade Suprema, e é a luz da Verdade Suprema que ilumina as verdades reduzidas. É, portanto, o conjunto das pequenas verdades que nos vai abrindo o caminho da revelação progressiva da Verdade Suprema. Neste sentido, não importa de onde nos chega a verdade, mas sim que a reconheçamos.
“Para a alma inteiramente desperta, toda a verdade é lugar de entrevista, aonde o Pensamento supremo convida o nosso pensamento: faltaremos ao encontro sublime?”
Ideias-chave deste subcapítulo:
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A ciência é o conhecimento pelas causas. O que realmente importa são as relações de dependência que perfazem a vida da natureza. Por trás de todas as dependências está a dependência primeira - a primeira causa.
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Se a inteligência é a capacidade de inteligir a verdade, ela depende essencialmente da Verdade última.
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A realidade não está limitada ao que é visível e passível de ser analisado pela ciência.
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A realidade é também uma encarnação do Espírito.
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É pela força da oração que a pessoa acessa o manancial de onde brotam todas as verdades.
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Cada verdade conhecida é um reflexo da Verdade Suprema.
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Não importa de onde nos chega a verdade, mas sim que a reconheçamos.
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IV – A disciplina do corpo
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O fenómeno intelectual produz-se no meio de fenómenos fisiológicos, e em alguma medida depende deles. O processo do pensamento serve-se não só da capacidade de abstracção de ideias, mas também da evocação de imagens, emoções e sensações, e estas são, no fundo, manifestações físicas. O corpo é o instrumento pelo qual interagimos com a realidade, e esta, por assim dizer, é constituída por todos os corpos e suas interações.
“Quando queremos despertar nalguém um pensamento, servimo-nos apenas de um meio: produzir nele, pela palavra ou por sinais, estados de sensibilidade e de imaginação, de emoção, de memória, nos quais ele descubra a nossa ideia e a possa fazer sua. As almas não comunicam senão pelo corpo”
Cuidar da saúde do corpo é purificar o espaço onde o conhecimento se dá. A doença e os vícios que eivam a carne podem mesmo chegar a corromper a alma. Além de desestabilizarem a atenção, podem levar o intelecto a erros crassos de interpretação da realidade. A enfermidade muda o carácter, e o carácter muda o pensamento.
Recomendações práticas:
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Tanto quanto possível, viver ao ar livre;
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A atenção está em estreita correlação com a respiração. Quando estamos nervosos, dispersos e aflitos, a nossa respiração é curta, instável, e superficial, ao passo que, quando estamos em estados meditativos, abertos ao conhecimento, a respiração é lenta, profunda e estável. Sendo que as emoções são estados físicos, elas podem ser manipuladas, isto é, induzidas ou travadas, por meio do domínio do corpo. Deste modo o estado meditativo pode ser induzido através de respirações profundas.
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Os movimentos que amplifiquem a respiração profunda, tornando-a natural, devem ser aliados.
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Os passeios intercalados com o trabalho são uma prática que beneficia o fluxo dos pensamentos e a naturalização de estados meditativos.
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É também importante que a posição corporal durante o estudo não comprima os pulmões ou as vísceras, e que certos movimentos rítmicos sejam introduzidos de vez em quando para que o corpo não petrifique. Do mesmo modo, são necessários movimentos de alongamento, se possível com a janela aberta ou ao ar livre.
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É importante ter períodos de repouso ao longo do ano. Não propriamente de abstenção do trabalho, mas períodos marcados por descanso, ar livre e exercício na natureza.
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Ter uma alimentação leve, moderada em quantidade e em qualidade.
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Cuidar do sono: encontrar a medida perfeita, que é individual. Lembrar que sono a mais entorpece e atrofia, e sono a menos produz estados de irritação que se habituais corrompem o nosso carácter.
“Quem não encontra tempo para fazer ginástica há-de encontrá-lo para estar doente.”
Ideias-chave deste subcapítulo:
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Cuidar da saúde do corpo é purificar o espaço onde o conhecimento se dá.
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A doença e os vícios que eivam a carne podem mesmo chegar a corromper a alma.
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A enfermidade muda o carácter, e o carácter muda o pensamento.
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Rever as Recomendações Práticas:
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Sono;
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Alimentação;
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Exercícios;
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Repouso;
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Ar livre;
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Respiração.
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NO PRÓXIMO CAPÍTULO
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Capítulo III – A organização da vida
I – Simplificar
II – Guardar a solidão
III – Cooperar com os seus iguais
IV – Cultivar as relações necessárias
V – Conservar a dose necessária de acção
VI – Manter o silêncio interior
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