top of page

A Vida Intelectual

A.-D Sertillanges

---------------

Este resumo não se propõe a substituir a leitura da bela obra do Pe. Sertillanges, mas pretende apresentar o núcleo dos ensinamentos por ele transmitidos, aliciando o leitor a conhecê-la em profundidade. Uma das finalidades no LABORATORIUM é fazer uso do conhecimento do passado ao olhar o presente, portanto procuraremos atender aos problemas contemporâneos ao estudar esta obra. Este resumo é, simultaneamente, um manual de estudo e uma reflexão filosófica.


 

--------------------------------------------------

Capítulo IX – O trabalhador e o homem

---------------------------------------------------

Eis-nos no último capítulo desta jornada pelos fundamentos da vida intelectual. Devo corroborar com a minha experiência pessoal que este exercício a que me propus, o de escrever sobre o que li, em muito potenciou a imersão destas luzes no meu espírito. A todos desejo o mesmo!

I – Guardar o contacto com a vida

--------------------------------------------

I – Guardar o contacto com a vida

--------------------------------------------

Eis a chave deste conselho: que o homem conserve a liberdade da alma. Significa que não se deve deixar oprimir pelo trabalho ou pelas exigências do meio; o trabalho intelectual como o vemos faz parte da façanha de se tornar Homem, daí é certo que, no conjunto de prioridades que nos orientam, a principal é a construção do carácter. Para a construção de um carácter virtuoso é indispensável percorrer os vários campos que constituem o conjunto da vida, por isso fechar-se no quarto de estudo para fugir à vida será contraproducente e lamentável. O estudo serve o Homem, não o oposto.

"Quem só pensa no seu trabalho, trabalha mal; diminuiu-se; toma um vinco profissional, que se converterá em tara. O espírito deve manter-se aberto, guardar o contacto com a humanidade e com o mundo, a fim de sair de cada sessão de estudo com capacidade para novo voo."

Para quem procura a verdade, será sempre positivo experimentar os mais variados ambientes; os bons, como o contacto com a natureza sem perigo, as fruições estéticas, as amizades, os jogos, dar-lhe-ão a alegria de viver e a fruição da bondade divina; os maus são carregados de lições e matéria para o pensamento, dar-lhe-ão a medida da seriedade da vida, e colocarão perante si os grandes valores existenciais.

É a experimentação do mundo que constrói o nosso imaginário, e é a partir dos elementos do imaginário que edificamos a nossa estrutura de princípios e valores. Como poderíamos produzir trabalho intelectual - que utiliza o imaginário como um dos principais instrumentos - sem o conhecimento da realidade? Quanto mais conhecemos, mais elementos se colocam à nossa disposição.

"O intelectual é homem de saber largo e variado que prolonga uma especialidade penetrada a fundo: é amigo das artes e das belezas naturais; o seu espírito revela-se o mesmo nas ocupações correntes e na meditação; encontramo-lo idêntico diante de Deus, diante dos iguais e diante da criada, levando em si um mundo de ideias e de sentimentos que se não inscrevem nos livros nem nos discursos, que se expandem na conversação amigável e guiam a vida."

Será bom lembrar o seguinte: «todas as coisas são interdependentes e fazem uma só coisa (...) Todos os objectos são portas para penetrar no "jardim secreto", na "adega", termo das pesquisas ardentes». A nossa vida, em primeira e última instância, é uma grande viagem para o colo do Pai, pois «nele vivemos, e nos movemos, e existimos».

Ideias-chave deste subcapítulo:


 

  • Eis a chave deste conselho: que o homem conserve a liberdade da alma - não se deixar oprimir pelo trabalho ou pelas exigências do meio.

  • Para a construção de um carácter virtuoso é indispensável percorrer os vários campos que constituem o conjunto da vida, por isso fechar-se no quarto de estudo para fugir à vida será contraproducente e lamentável.

  • Para quem procura a verdade, será sempre positivo experimentar os mais variados ambientes.

  • Quanto mais conhecemos da realidade, mais digno e frutífero será o nosso trabalho.

  • A nossa vida, em primeira e última instância, é uma grande viagem para o colo do Pai, pois «nele vivemos, e nos movemos, e existimos».

II – Saber distrair-se

----------------------------

II – Saber distrair-se

----------------------------

Falamos já sobre o descanso, a distracção benigna, e o repouso. Não é qualquer repouso, mas um género peculiar, aquele em que o trabalho encontra a referência que o qualifica. O repouso que é o inverso do trabalho, isto é, uma ausência de esforço em prol da conservação das forças, uma certa passividade activa que nos torna receptáculos, revelará a qualidade do trabalho e o seu ajustamento à medida e profundidade ideal.

"Podemos admitir sem paradoxo estas palavras de Bacon, que os dados da fisiologia corroboram: «estudar tempo de mais é uma maneira de preguiça». É preguiça directamente, por ser incapacidade de dominar um determinismo, de manejar um freio. É preguiça indirectamente, porque recusar um repouso é recusar implicitamente um esforço que o repouso permitiria e que o excesso de cansaço compromete."

Além disso, prossegue Sertillanges, o repouso pode ser visto como uma delegação de esforço a outrem. Neste caso, "outrem" é a mecânica da vida orgânica e, porque não, a própria Vida do Espírito que trabalha em nós, assim que nos entregamos voluntariamente ao Seu cuidado. Cansar-se em demasia é também uma forma de se sabotar.

Procuramos permanentemente o ponto de equilíbrio. Se pendemos para um lado, parece forçoso que nos deixemos pender para o outro, mas esta dinâmica nem sempre é benéfica. Melhor seria se soubéssemos viver sem nos cansarmos. Como? Equilibrando o trabalho "de maneira que uma operação servisse de descanso a outra". No trabalho intelectual, tal é perfeitamente possível, pois nem todas as tarefas são exigentes. Ao longo do processo requeremos inúmeras pequenas operações para que o trabalho final tenha o maior êxito possível. Organizar notas, escolher livros, ordenar o espaço, ter leituras leves, tudo isto são modos de descansar o espírito do esforço dos "instantes de plenitude".

Do lado negativo, aconselhamos que não se subestime a força da materialidade. Quando não nos damos ao descanso, ele pode facilmente instalar-se sem o nosso consentimento. Além dos casos mais graves, em que ele nos domina em forma de doença, existem as pequenas tribulações com que ele nos detém a atenção, isto é, qualquer forma de distracção que nos aparte do trabalho.

"Para S. Tomás o verdadeiro repouso da alma é a alegria, a acção deleitável. Os jogos, as conversações familiares, a amizade, a vida de família, as leituras distractivas nas condições apontadas, a vizinhança da natureza, a Arte fácil, um trabalho manual muito suave, o divagar inteligente através de uma cidade, os espectáculos pouco fortes e pouco apaixonados, os desportos modernos: tais são os elementos de repouso."

Será oportuno referir que também neste campo se deve evitar o excesso. Cabe-nos descobrir o ritmo ideal que nos introduz numa verdadeira vida intelectual, presente, plena de espírito, e frutífera.

"Ah! Se pudéssemos trabalhar ao ar livre, com a janela aberta para uma bela paisagem, em posição, desde que chega o cansaço, de descansar alguns instantes no meio da verdura ou, se o pensamento estaca, de pedir o parecer às montanhas, à assembleia das árvores ou das nuvens, aos animais que passam, em vez de nos irritarmos esperando, aposto que duplicaria o produto do trabalho e que muito outra seria a sua amabilidade e humanidade."

Ideias-chave deste subcapítulo:


  • «Estudar tempo de mais é uma maneira de preguiça».

  • Cansar-se em demasia é também uma forma de se sabotar.

  • Devemos procurar equilibrar o trabalho de maneira a que uma operação sirva de descanso de outra.

  • Quando não nos damos ao descanso, ele pode facilmente instalar-se sem o nosso consentimento.

III – Aceitar as provações

----------------------------------

III – Aceitar as provações

----------------------------------

De um modo geral, na vida, aceitar as provações é conselho excelente. É também na adversidade que se forja um bom carácter. Porém aqui reservamo-nos a discorrer sobre a provação que mais pode desmoralizar o intelectual: a crítica.

A crítica pode ferir por vários motivos, a uns mais que a outros, dependendo também se ela é fundada ou não. De qualquer modo, é uma realidade a que estamos expostos, e um risco inalienável da vocação a que nos entregamos. No dizer popular, são os "ossos do ofício".

A resposta impulsiva e emocional é, por vezes, tão vibrante que mal nos conseguimos conter, mas o maior perigo é o de sermos desmoralizados e incitados a desistir. A melhor resposta é óbvia: trabalhar. A finalidade última não é propriamente calar a crítica ou vencer uma discussão, mas fazer um trabalho melhor. Se a crítica é infundada ou oriunda de má fé, vale mais a indiferença. Se, por outro lado, ela expõe as falhas do nosso trabalho, o mais sensato é rendermo-nos à verdade e fazer as devidas correcções. Em todo o caso, o trabalho sério e dedicado é sempre a resposta correcta.

Não há bom motivo para nos fixarmos em exigir as recompensas que pensamos devidas pelo nosso trabalho. "O valor defende-se a si próprio".

"A verdade é: as obras de verdade participam do seu ser e do seu poder. Agitar-vos à volta delas é enfraquecer-vos. Calai-vos; humilhai-vos diante de Deus; desconfiai do vosso juízo e corrigi as vossas faltas; em seguida permacei firmes como o rochedo batido pelas vagas. O tempo e as forças que gastaríeis em sustentar uma obra será melhor empregado em realizar outra, e a paz vale mais do que o êxito banal."

Alertámos para um dos maiores perigos a que o intelectual se expõe, que é a sede de gloríola, prestígio, e honras supérfluas. Cuidai para que esta sede não vos tome por inteiro e se substitua ao verdadeiro objecto do vosso amor: a Verdade. A recompensa posterior ao esforço é bem vinda, mas não deve ser a nossa única força motriz. Além disso, as dificuldades inerentes da nossa vocação podem estar ao nosso serviço, fornecendo-nos continuamente a matéria prima que não só aprimora o trabalho, mas também forja o nosso heroísmo.

"Se for preciso adiar para mais tarde a vossa utilidade - quem sabe até se para depois da morte - consenti no sacrifício; a honra póstuma é a mais desinteressada, e a utilidade póstuma satisfaz bastantemente aos verdadeiros fins da vossa obra. Que pretendeis? A gloríola? Nesse caso, não passais de um falso intelectual. A verdade? É eterna. Não é mister utilizar a eternidade."

O trabalho intelectual pertence a um género de actividade que tem a peculiaridade de ser ela própria um meio e um fim simultaneamente. Isto significa que o trabalho em si é já um valor, é já um resultado para o trabalhador. Talvez por esta característica seja fácil que o amor pelo trabalho apenas cresça, servindo de combustível, ou melhor, servindo como fonte de energia perpétua.

 

"O amor não teme as decepções; como nem a fé e esperança de sólidas raízes as temem (...) porque o amor prova-se muito mais quando se trabalha pelo prazer da pessoa amada e pelo prazer de lhe render serviços."

Ideias-chave deste subcapítulo:


  • É também na adversidade que se forja um bom carácter.

  • A melhor resposta à crítica é trabalhar melhor.

  • Se a crítica é infundada ou oriunda de má fé, vale mais a indiferença.

  • Não há bom motivo para nos fixarmos em exigir as recompensas que pensamos devidas pelo nosso trabalho.

  • "Calai-vos; humilhai-vos diante de Deus; desconfiai do vosso juízo e corrigi as vossas faltas; em seguida permacerei firmes como o rochedo batido pelas vagas."

  • A recompensa posterior ao esforço é bem vinda, mas não deve ser a nossa única força motriz.

  • As dificuldades inerentes da nossa vocação podem estar ao nosso serviço.

  • O trabalho em si é já um valor.

IV – Saborear as alegrias

----------------------------------

IV – Saborear as alegrias

----------------------------------

Aqui se consagra em particular a alegria de viver e mover-se na Verdade. "A recompensa de uma obra é concluí-la; a recompensa do esforço é o ter crescido". A alegria do intelectual consagrado não vem de qualquer fonte, tampouco é banal, mas é simples e plena de adubo. Ela é o fruto da vocação, fruto que provém dela e a ela alimenta. Segundo S. Tomás de Aquino:

"a contemplação parte do amor e termina na alegria: amor do objecto e amor do conhecimento como acto de vida; alegria da posse ideal e do êxtase por ela provocado".

A Sapiência, diz Hugo de S. Víctor, é a Segunda Pessoa da Trindade, na qual reside o bem perfeito. Em face desta realidade, louva-se o esforço de querê-la, amá-la e servi-la, que é o acto que dá o nome à filosofia. E porque a Verdade, a Vida e o Caminho são uma só Pessoa, na qual residem o Bem, o Belo e o Verdadeiro, a Alegria que saboreamos é a consciência de Deus. Deus é na eternidade, e o homem que O ama é imortal. Por isso o filósofo - o intelectual consagrado - usufrui de uma juventude de espírito que partilha com os santos.

"Com efeito, a verdade é a santidade do espírito; conserva-o, do mesmo modo que a santidade é a verdade da vida e tende a fortificá-la para este mundo e para o outro. Não há virtude sem crescimento, sem fecundidade, sem alegria; também não há luz intelectual sem que estes efeitos dela derivem. Sábio (sapiens), etimologicamente, quer dizer que tem gosto ou discernimento, e o discernimento é um só, compreendendo a dupla regra do pensamento e da acção."

V – Gozar antecipadamente os frutos

-----------------------------------------------

V – Gozar antecipadamente os frutos

-----------------------------------------------

Eis a despedida. O livro termina com a palavra "ADEUS", uma forma encurtada do dito "A Deus te recomendo". Esta frase era comum entre os padres convocados aos leitos de morte, onde serviam simbolicamente como transportadores das almas para o Paraíso. É o mesmo que dizer, para o começo da vida como almas imortais, e este é o sentido que daqui levamos. É esse o tom. É um Adeus dirigido àquele que aceitou a sua vocação - não esquecendo de que é necessária a vocação. O que aceita a vocação prepara-se para uma nova vida, para novas exigências e aventuras. Sertillanges adverte:

"Mas, suposta a vocação, assiste-nos o direito de afirmar que a cultura não é filha principalmente do génio; nasce do trabalho, do trabalho qualificado, organizado e aturado, do trabalho que tentámos descrever. O trabalho fabrica os seus instrumentos. Como o ferreiro que caldeia as ferramentas, assim o trabalho forma os caracteres, dá a solidez e inspira confiança."

A confiança em si mesmo é fulcral, mas esta não é a mera auto-estima. É a fé no seu próprio fundamento, Aquele além de si, o verdadeiro Deus que disse "Quem busca encontra e a quem bater abrir-se-á". É de Deus que vem a nossa inteligência, e é para Ele que ela converge - por isso o contacto com a verdade nos acende, nos lava, e nos inspira.

"Não nos apoiemos em nós; nunca, porém, será demasiada a confiança concedida a Deus em nós. Nunca se concebe ideia demasiado elevada do eu, quando esse eu é o divino."

Longe da nossa maneira muitas vezes equívoca de nos compararmos e medirmos o nosso valor intrínseco, para Deus cada indivíduo é único, e sendo único, é insubstituível e necessário. O que Ele espera de nós é coerente com os nossos atributos inatos, mas cabe a nós usar e multiplicar os talentos, e não enterrá-los (Mateus 25:14-30).

Vale ainda lembrar: "É próprio do homem errar." A possibilidade do erro é imanente. Diz o ditado, “herrar é umano”, e não é por acaso que a língua tem destas máximas. O erro é um conhecido de todos, por vezes é amigo, outras inimigo, mas o que é certo é que a sua existência, ou pelo menos a sua possibilidade é inevitável e constante. Que acontece a uma sociedade que pretende eliminar a possibilidade do erro? Dito de outra forma, que acontece a uma sociedade que pretende cometer tamanho erro? Está claro que uma das funções da possibilidade do erro é garantir o livre arbítrio. Outra é potenciar a aprendizagem e cimentar a experiência. Se não é perfeito, erra. Só Deus não erra, e Ele acertou ao criar a possibilidade do erro na estrutura da realidade humana.

Sertillanges termina então esta "curta e demasiado longa teoria da vida intelectual" com uma proposta:

"Decidido a pagar, inscrevei no coração, hoje mesmo, se todavia o não fizestes, a resolução firme. Aconselho-vos a escrevê-la igualmente no papel em caracteres lisíveis, e que essa fórmula esteja continuamente diante de vós. Quando, após breve oração, acometeis o trabalho, repetireis cada dia o vosso propósito. Cuidareis de notar especialmente aquilo que vos é menos natural e mais necessário. Se preciso for, recitá-la-eis, a vossa resolução, em voz alta para que as palavras melhor penetrem no espírito. Depois, repeti com convicção: «Se fizeres isto produzirás frutos úteis e alcançarás o que desejas».

ADEUS."

131466970_4052944044730157_5456963486575

FRANCISCA SILVA

Da sede de conhecer

Ao abraço do Ser

---------------------------------

QUERO DOAR

O LABORATORIUM é um projecto concebido e realizado sem financiamento, por pessoas que dedicam o seu tempo livre à recolha e compilação de informação essencial à humanidade. Visto que este projecto vive de voluntariado, aceitamos e agradecemos doações de qualque valor.

Para este fim, criámos uma campanha de Crowdfunding, disponível aqui.

Caso não possa ajudar em termos financeiros, pedimos humildemente que partilhe o nosso projecto com amigos interessados ou nas redes sociais. Bem haja!

  • Facebook
bottom of page