A Vida Intelectual
A.-D Sertillanges
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Este resumo não se propõe a substituir a leitura da bela obra do Pe. Sertillanges, mas pretende apresentar o núcleo dos ensinamentos por ele transmitidos, aliciando o leitor a conhecê-la em profundidade. Uma das finalidades no LABORATORIUM é fazer uso do conhecimento do passado ao olhar o presente, portanto procuraremos atender aos problemas contemporâneos ao estudar esta obra. Este resumo é, simultaneamente, um manual de estudo e uma reflexão filosófica.
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Capítulo VIII – O trabalho criador
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Feitas as devidas diligências, preparações e planificações, eis que chega o momento "da verdade". O que se apresenta aqui são exortações úteis para a orientação do trabalho intelectual nos momentos de plenitude, os obstáculos comuns e como vencê-los.
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I – Escrever
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Escrevemos ao longo de toda a vida intelectual, e a escrita cumpre várias funções. Primeiro, escrevendo para nós, obtemos um meio de suster a atenção numa série de raciocínios, que suporta o acto da meditação e nos permite ver claramente o conteúdo das nossas ideias e organizá-las.
Segundo, escrevendo e publicando - desde que nos julguemos capazes de responder pelas nossas declarações e que tenhamos alguma aprovação de juízes competentes - expomo-nos à crítica e ao escrutínio, o que é útil, não só para aperfeiçoar o nosso ofício e o nosso carácter, como também para usufruirmos da afeição dos nossos afins.
"Falar é ouvir a alma, e nela a verdade; falar solitária e silenciosamente por meio da escrita é ouvir-se e sentir a verdade com a frescura de sensação dum homem matinal que ausculta a natureza logo ao despontar do dia."
Se não produzirmos, habituamo-nos à passividade e, não tarda, fixamo-nos na indolência; tornamo-nos improdutivos. Este risco agrava-se em personalidades que tendem à timidez. Quem assim é, bem sabe que a timidez é uma bola de neve, que cresce exponencialmente a cada proibição que impomos à nossa auto-expressão. É bom romper o hábito e começar de qualquer maneira. Tanto o medo de falhar como o medo do sucesso, que pode fazer despontar o orgulho, nos podem servir de justificação para a preguiça intelectual. (Aliás, para este assunto o LABORATORIUM recomenda a leitura da obra "A Educação da Vontade", de Jules Payot, escrito em 1984).
O Estilo
O estilo aparece com a prática da escrita, a partir do momento em que ela se converte em arte de escrever. Precisamos desta prática, escrever sempre, pensar alto, pensar nitidamente, para encontrar a nossa própria voz.
"O meu «estilo», a minha «pena», é o instrumento espiritual de que me sirvo para me dizer e dizer a outrem o que ouço da verdade eterna; é qualidade do meu ser, vinco interior, disposição do cérebro animado, sou eu envolvido de certo modo.
«O estilo é o homem»"
Muito pode ser dito sobre o que é o estilo, mas Sertillanges resume-o a três palavras: verdade, individualidade, simplicidade; ou, sintetizando: escrever verdade.
"O discurso é acto de vida: não deve representar um corte na vida. É o que sucede quando caímos no artificial, no convencional. Bergson diria no tout fait. Escrever por um lado, e por outro viver vida espontânea e sincera, é ofender o verbo e a harmoniosa unidade humana."
Sertillanges puxa-nos assim para o ideal da integridade. Para o nosso fim, como intelectuais, devemos escrever como devemos falar com Deus - com sinceridade e presença de espírito. Duas qualidades nos são essenciais: abnegação - que afasta a personalidade que tende a intrometer-se entre a verdade e a alma; e retidão - que assegura a exposição fiel daquilo que nos foi revelado, sem acrescentar inutilidades.
O estilo está na essência do escrito, não na aparência. Os recursos da linguagem estão disponíveis para nós como os químicos estão para o papel fotográfico - são eles que vão permitir que a imagem da verdade surja na folha, em vez de serem meros enfeites, artifícios, com que seduzimos os outros por querermos audiência. Mesmo na literatura de ficção isto é válido: só é nobre a ficção que retrata as realidades universais, mesmo que por meio de histórias fantásticas.
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ESTILO: do latim STYLUS, "vara aguçada para escrever na argila"
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O estilo é um meio, não um fim, e a sua finalidade é ser canal de verdade. Como a verdade não tem dono, não pode ser aprisionada nas palavras. Pode, sim, viajar de um homem a outro, e para isso é necessária a fidelidade do escritor, bem como a sua sensibilidade em relação ao ouvinte. Devemos fazer-nos entender.
"Para obedecer às leis do pensamento tenho de me mostrar perto das coisas ou, antes, no íntimo delas, porque pensar é conceber o que é e escrever verdade, ou por outra, escrever de acordo com o pensamento é revelar o que é, e não enfiar frases. Por isso o segredo de escrever consiste em colocar-se ardentemente diante das coisas, até que elas vos falem e determinem os termos que as devem exprimir."
Existe a boa economia na arte de escrever - nada a mais, nada a menos. Uma frase pode apontar para muitas dimensões da verdade; nem tudo precisa ser dito. Quando vemos uma bela peça de teatro, não vemos as indicações dadas pelo director durante as horas intermináveis de ensaios, mas sabemos que elas aconteceram, e estão, no fundo, implícitas na boa prestação dos actores e no todo da apresentação da peça.
Ideias-chave deste subcapítulo:
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Sertillanges resume o estilo a três palavras: verdade, individualidade, simplicidade; ou, sintetizando: escrever verdade.
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«Escrever por um lado, e por outro viver vida espontânea e sincera, é ofender o verbo e a harmoniosa unidade humana».
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Duas qualidades nos são essenciais: abnegação - que afasta a personalidade que tende a intrometer-se entre a verdade e a alma; e retidão - que assegura a exposição fiel daquilo que nos foi revelado, sem acrescentar inutilidades.
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O estilo está na essência do escrito, não na aparência.
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O estilo é um meio, não um fim, e a sua finalidade é ser canal de verdade.
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Devemos fazer-nos entender.
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«Pensar é conceber o que é e escrever verdade».
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Existe a boa economia na arte de escrever - nada a mais, nada a menos.
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II – Desapegar-se de si e do mundo
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"A inspiração não se compagina com o desejo. Quem quer alguma coisa para seu proveito afasta a verdade: o Deus zeloso não será ser hóspede. É preciso trabalhar com espírito de eternidade, dizíamos; ora, nada menos eterno do que a pretensão ambiciosa. Consagrastes-vos inteiramente à verdade: servi-a, não vos sirvais dela."
Este desapego significa, na verdade, uma expansão para além de si. Não uma expansão que nos leva para as ditaduras do mundo externo, mas sim uma que nos projecta para o domínio da verdade, essa que está tão acima e que é tão anterior às nossas pequenas personalidades.
Tristes de nós se devotarmos a nossa vida intelectual a ambições mesquinhas, pois colocarmo-nos em frente da verdade esperando receber a glória que não nos pertence de certo determina um desfecho desapontante. O nosso desejo por êxito deve reduzir-se ao desejo pela crescente compreensão da realidade e pela meta de que se faça em nós a Sua palavra.
"«Não olheis donde vem a verdade», dizia São Tomás: não olheis também a quem ela glorifica; nutri o desejo de que os leitores, diante da vossa obra, também não olhem donde lhes vem a verdade. Este sublime desinteresse é o distintivo do ser superior; tender para esse objectivo, fazer dele lei sempre aceite, embora nem sempre obedecida, é corrigir o que se não pode ocultar à nossa miséria."
Preserve-se o consagrado de tender à hipocrisia que tão indignamente mancha, por vezes, as vozes da casta intelectual. Integridade e sinceridade é: não fingir que se sabe o que não se sabe, bem como não fingir que não se sabe o que se sabe. Em qualquer forma ou feitio, a hipocrisia não traz recompensa para o preço que ela custa. Somos sujeitos a inúmeras pressões, e para nós a pressão dos pares e a pressão da ambição são forças vis que, se não se dominarem, podem custar-nos a sacralidade do nosso ofício.
No que diz respeito ao desapego do mundo, estejamos cientes da medida justa que deve ter o público no nosso trabalho; escrevemos também para o próximo, mas não somos instrumentos nas suas mãos - antes, faz parte dos nossos deveres adquirir um certo nível de conhecimento superior, ao ponto de nos convertermos naturalmente em professores:
"Buscar a aprovação pública é tirar ao público uma força com que ela contava. Não lhe estais vós dedicados? Não lhe assiste o direito de vos perguntar: onde está a vossa obra? Ora, o pensamento não será a vossa obra, se o cuidado de agradar e de vos adaptar escraviza a vossa pena. O público pensará então por vós, quando vós é que devíeis pensar por ele.
Buscai a aprovação de Deus; meditai só a verdade para bem vosso e alheio; não sejais escravos, mas merecei exclamar com S. Paulo: A palavra de Deus não está presa."
Diz Sertillanges que esta nossa independência da aprovação do público vulgar é tão mais necessária quanto mais hostil é a massa. A massa quer convenções, lisonja, seguranças ténues; nós daremos verdades, libertadoras ou duras, e segurança firme porque estamos sentados no limiar da eternidade. Por mais hostilidade que encontremos, nunca, nunca será digno do intelectual consagrado renunciar, ocultar ou disfarçar as verdades essenciais.
Basta-nos a consciência da natureza das coisas e a nossa ligação à realidade será incólume, o nosso carácter terá alicerces robustos, e a nossa obra florescerá. «Só se trabalha com plenitude em favor das causas pelas quais se aceita a morte. Estais preparados para morrer pela verdade?»
"Diante da nossa secretária e na solidão em que Deus fala ao coração, escutemos como a criança escuta e escrevamos como a criança fala. A criança é simples e desembaraçada poque ainda não tem vontade própria, nem desejos factícios, nem paixões. À sua confiança ingénua e ao seu discurso directo prende-se um forte interesse. O homem maduro e nutrido de experiência, que soubesse guardar este candor, seria um belo receptáculo de verdade, cuja voz ressoaria no íntimo das almas."
Ideias-chave deste subcapítulo:
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Quem quer alguma coisa para seu proveito afasta a verdade: o Deus zeloso não será ser hóspede.
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O nosso desejo por êxito deve reduzir-se ao desejo pela crescente compreensão da realidade e pela meta de que se faça em nós a Sua palavra.
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«"Não olheis donde vem a verdade", dizia São Tomás: não olheis também a quem ela glorifica; nutri o desejo de que os leitores, diante da vossa obra, também não olhem donde lhes vem a verdade».
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Integridade e sinceridade é: não fingir que se sabe o que não se sabe, bem como não fingir que não se sabe o que se sabe.
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A pressão dos pares e a pressão da ambição são forças vis que, se não se dominarem, podem custar-nos a sacralidade do nosso ofício.
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Faz parte dos nossos deveres adquirir um certo nível de conhecimento superior, ao ponto de nos convertermos naturalmente em professores.
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«Buscai a aprovação de Deus; meditai só a verdade para bem vosso e alheio; não sejais escravos, mas merecei exclamar com S. Paulo: A palavra de Deus não está presa».
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A nossa independência da aprovação do público vulgar é tão mais necessária quanto mais hostil é a massa.
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«Só se trabalha com plenitude em favor das causas pelas quais se aceita a morte. Estais preparados para morrer pela verdade?»
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III – Constância, paciência e perseverança
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São estas as virtudes indispensáveis ao nosso trabalho, se é que queremos honrar a nossa vocação. A constância forma o hábito, e será no hábito que se sustentará a nossa firmeza; a paciência nos treinará a suportar as dificuldades; e a perseverança evita o gasto da vontade, renovando a nossa energia.
Não raro, damos por nós em sessões de trabalho intermitente, em que a atenção é esparsa e parece indomável. O menor sucedido atrai-nos e nos prende durante demasiado tempo, e nós aceitamos tal distracção, apenas para fugir do sentimento do tédio e da ideia de que somos preguiçosos. Para combater isto invocamos estes três valores como os guerreiros aptos a vencer esses temíveis inimigos: a preguiça e o tédio.
"Nós queremos ser intelectuais todo o tempo e queremos que isso conste. Damo-nos a conhecer pela maneira como repousamos e nos distraímos, pela maneira como atamos os sapatos; com muito maior razão se verá quem somos pela fidelidade ao trabalho, ou seja, pela pontualidade em retomar a nossa tarefa."
É bom reconhecer que qualquer coisa pode servir de justificação para adiar o trabalho, e que grande parte do brio que o envolve está em bem organizar o nosso tempo. Deste modo, certas tarefas pequenas podem ocupar tempos de espera, esses que costumam ser queimados com qualquer pequena distracção.
Todos os trabalhos têm estes percalços, pois todo o trabalhador é homem, e é nele que estão as tentações. Somos carregados ao colo nos momentos de fervorosa inspiração, pelos quais passamos sem perigo de dispersão, mas é certo que, mais cedo ou mais tarde, chega um momento de depressão - o outro lado da força. Por ser natural, devemos-lhe algum grau de obediência, mas não todo o nosso ser.
A Constância
"Se vos sentirdes muito cansados, interrompei voluntariamente o trabalho para depois o retornar com novo afinco. O enervamento seria contraproducente. Uns momentos de leitura dum autor favorito, uma recitação em voz alta, uma oração feita de joelhos para modificar o estado orgânico e para libertar o espírito, uns momentos de respiração ao ar livre, alguns movimentos rítmicos: eis os remédios possíveis. Após o quê, voltai à carga."
Não comparemos tais métodos com os químicos excitantes. Estes últimos consideram-se nefastos pois criam dependência e familiaridade - isto significa que o corpo precisará de doses cada vez maiores do químico, o que certamente fará brotar taras físicas e mentais. «Mas o excitante mais normal é a coragem», que se mantém pela oração e pela invocação do nosso objectivo, assim renovando a nossa energia para trilhar o caminho.
"O prisioneiro que quer fugir do cárcere lança mão de todos os recursos, sem descoroçoar: não se cansa das preparações longínquas, de recomeçar após um fracasso: é que a liberdade chama por ele. E vós, não tendes de vos libertar do erro, de conquistar a liberdade do espírito numa obra feita?"
É também a constância que vence as falsas impressões de cansaço - como qualquer atleta se torna excelente pelo treino, persistindo apesar do cansaço. Assim é com o estudo - a excelência concretiza-se à medida que dominamos a nossa vontade apesar dos estados orgânicos, sabendo quais as técnicas eficazes para tal. E a boa notícia é que isto é um processo por meio do qual nos elevamos de forma exponencial - «uma dificuldade vencida ensina a vencer outras dificuldades; um esforço poupará outros esforços; a coragem dum minuto vale tanto como um dia». Confiemos no poder do hábito.
"Aprendei a ser constantes pela aplicação e porfia em recomeçar: dia virá em que se dissiparão os langores persistentes, e em que os tédios momentâneos não surtirão efeito. Sereis então um homem. O trabalhador sem constância não passa de criança."
A Paciência
Nosso trabalho é fonte tanto de prazer e felicidade quanto de tormento e angústia. Domar a vontade é tarefa árdua que apenas se logra com a conquista do tempo. «Devagar se vai ao longe» é uma máxima que queremos guardar como uma gema preciosa, à qual retornamos sempre que nos assola a impaciência.
"Respeitai cristãmente a Providência de Deus. É Ele que põe as condições do saber: a impaciência é revolta contra Ele. Quando a febre se apossa de vós, desvanece-se a liberdade interior e espreita-vos a escravidão espiritual. Já não sois vós que operais, nem Cristo em vós, já não realizais a obra do Verbo."
A paciência é o remédio para as urgências da depressão do espírito. É o recurso para uma série de situações em que somos inundados por sentimentos de desilusão, frustração e desorientação. Apelamos então para as energias de reserva - persistimos, e pela paciência concretizamos a constância.
O nosso trabalho caracteriza-se por tarefas longas, por isso nos é essencial adequar o tempo do nosso querer ao tempo da natureza das coisas. Ajuda-nos, nestes momentos, repartir a tarefa longa em tarefas curtas, e assim vamos renovando o impulso do trabalho.
"Não confundais o generoso estímulo com as excitações, que são quase o contrário dele, pois lhe quebram o ritmo. Não podeis levar a cabo, no meio da perturbação, o trabalho de paz que é a disposição ordenada das ideias, a delicada elaboração dos pensamentos novos. Portanto, não percais tempo, supondo loucamente que tendes falta dele."
No campo da intelectualidade, todos os estados têm valor intrínseco, e todo o esforço virtuoso é conquista. «Quem trabalha por Deus e como Deus quer, encontra em Deus a sua morada. Que importa o andar do tempo, se estamos instalados em Deus?»
A Perseverança
"Quem perseverar até ao fim será salvo, diz o Evangelho. A lei da salvação intelectual é a mesma que a da salvação total. Quem põe mãos ao arado e olha para trás não é digno, também aqui, do reino dos céus.
Quantos trabalhadores que deste modo abandonaram os trabalhos, as sementeiras, e renunciaram as colheitas! As primeiras tentativas na ciência têm o carácter de provas eliminatórias: sucessivamente, os caracteres fracos cedem; os fortes resistem: no final, encontram-se apenas os trezentos de Gedeão ou os trinta de David."
O verdadeiro intelectual descobrirá sempre que a perseverança é um traço do seu carácter. O amor à verdade e ao superior e o sentido de dever que lhe é característico dar-lhe-ão sempre o sustento necessário para que não deserte. Renunciar a tarefa tão nobre e necessária, já que nos propusemos a ela, será sinal de covardia.
A vocação intelectual, quando atendida, começa por estabelecer uma certa tensão - esta tensão é necessária, pois é a partir dela que despertamos o sentido da verdade e que o aprimoramos. Muitas vezes é a incapacidade de suportá-la que leva alguns a desistirem e retornarem à vulgaridade. Sejamos corajosos, perseveremos.
Ideias-chave deste subcapítulo:
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Estes três valores, constância, paciência e perseverança, vencerão os temíveis inimigos: a preguiça e o tédio.
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«O excitante mais normal é a coragem», que se mantém pela oração e pela invocação do nosso objectivo, assim renovando a nossa energia para trilhar o caminho.
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É também a constância que vence as falsas impressões de cansaço.
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«Uma dificuldade vencida ensina a vencer outras dificuldades; um esforço poupará outros esforços; a coragem dum minuto vale tanto como um dia».
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Domar a vontade é tarefa árdua que apenas se logra com a conquista do tempo.
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«A impaciência é revolta contra Ele. Quando a febre se apossa de vós, desvanece-se a liberdade interior e espreita-vos a escravidão espiritual».
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A paciência é o remédio para as urgências da depressão do espírito.
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É essencial adequar o tempo do nosso querer ao tempo da natureza das coisas.
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«As primeiras tentativas na ciência têm o carácter de provas eliminatórias: sucessivamente, os caracteres fracos cedem; os fortes resistem: no final, encontram-se apenas os trezentos de Gedeão ou os trinta de David».
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O amor à verdade e ao superior e o sentido de dever que é característico do intelectual dar-lhe-ão sempre o sustento necessário para que não deserte.
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IV – Fazer tudo bem feito e até ao fim
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Começar uma obra é prometer cumpri-la. E ainda que a "palavra de honra" seja rara no nosso tempo ou no nosso ambiente, continua a ser um princípio para nós. Na nossa sociedade este valor tem perdido importância à medida que o tempo parece encurtar-se. Estamos no tempo da fast food, fast fashion, fast, fast, fast. Tudo pode mudar a qualquer momento, e a regra começa a ser a fluidez, a adaptação ao que quer que esteja na berra a esta hora - claro, em detrimento da solidez necessária ao cumprimento de uma promessa.
Regemo-nos, então, por este valor antigo - não cumprir a nossa palavra é ser infiel, é dizer ao mundo que não somos confiáveis ou responsáveis, e mais, é dizer que não perseveramos o suficiente. Ter a consciência do que é preciso para a árdua tarefa a que nos propomos é essencial por isto - não vamos prometer o que não sabemos se podemos cumprir. Tomemos, então, o cuidado de ponderar as possibilidades reais, e caso cheguemos à conclusão de que a tarefa excede a nossa capacidade, não nos comprometamos com ela.
"Acabado significa terminado, mas significa também perfeito, e ambos estes sentidos se corroboram. Não termino verdadeiramente o que me recuso a encaminhar para o melhor resultado. O que se não perfaz não é."
Sertillanges recomenda o seguinte: assim que se termina um trabalho, deve-se deixar que "repouse". Após um período mais ou menos longo, voltamos a pegar nele, no tempo em que estamos capazes de avaliá-lo de forma mais competente. Se nos desagrada, recomeçamos.
O autor deixa-nos também um conselho prático: assim que o trabalho criativo está pronto a ser realizado, isto é, após a decisão de empreendê-lo, da sua concepção e sua preparação, devemos determinar vigorosamente «o valor que ele deve revestir».
Damos o máximo no momento da criação; «Toda a obra quer ser feita dum arranque», isto é, não dispersar, não parar até que esteja perfeita, claro, na medida das nossas capacidades. Resta-nos aplicar as três virtudes de que falámos acima, e nunca ceder às manhas da preguiça. Um intelectual verdadeiro deve ter por princípio fazer tudo bem feito e até ao fim.
Ideias-chave deste subcapítulo:
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Começar uma obra é prometer cumpri-la.
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Não cumprir a nossa palavra é ser infiel, é dizer ao mundo que não somos confiáveis ou responsáveis.
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Ter a consciência do que é preciso para a árdua tarefa a que nos propomos é essencial.
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«Não termino verdadeiramente o que me recuso a encaminhar para o melhor resultado».
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Devemos determinar vigorosamente o valor que o trabalho deve revestir, antes de começar o trabalho criativo.
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Não dispersar, não parar até que a obra esteja perfeita, na medida das nossas capacidades.
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V – Não ir além das próprias forças
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A severidade nas exortações anteriores pressupõe a noção da medida justa, isto é, que cada um as cumpra segundo a sua capacidade. Pois, como já repetimos em vários momentos, o esforço que ultrapassa o limite empurrar-nos-á para a decadência.
Sertillanges refere o último dos Dezasseis Preceitos tomistas: «Altiora te ne quaesieris» - «não tentes coisa alguma superior às tuas posses». Do mesmo modo que devemos procurar fazer aquilo que, por vocação, nos compete, devemos inibir-nos de fazer o que não é da nossa vocação ou possibilidade.
"Discerni em todas as ocasiões o esforço que vos convém, a disciplina de que sois capazes, os sacrifícios em que podeis consentir, a matéria que podeis tratar, a tese que podeis escrever, o livro que vos pode ser útil, o público a quem podeis servir. Julgai de tudo isto com humildade e confiança. (...) Fixai-vos no melhor que puderdes. Após o quê, aplicai-vos ao trabalho de alma e coração."
Não há mal em aceitarmos a nossa ignorância, pelo contrário, é sensato não só aceitá-la como compreender a necessidade dela. Não somos capazes de tudo, mas não rejeitaremos o que nos é pedido. A humildade vem em nosso socorro nesta questão. É também traço de integridade - não fingimos que sabemos o que não sabemos, ou que compreendemos o incompreensível.
"As condições do êxito são as mesmas em todas as coisas: reflectir ao princípio, começar pelo começo, proceder com método, envidar todos os esforços. Mas a reflexão inicial tem por objecto primário determinar aquilo para que somos feitos. O «conhece-te a ti mesmo» de Sócrates não encerra apenas a chave da moral, mas a de toda a vocação, visto que ser chamado a alguma coisa é ver abrir-se, diante de si, um caminho na amplidão da vida humana."
Ideias-chave deste subcapítulo:
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O esforço que ultrapassa o nosso limite empurrar-nos-á para a decadência.
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Do mesmo modo que devemos procurar fazer aquilo que, por vocação, nos compete, devemos inibir-nos de fazer o que não é da nossa vocação ou possibilidade.
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É sensato não só aceitar a nossa ignorância como compreender a necessidade dela.
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«As condições do êxito são as mesmas em todas as coisas: reflectir ao princípio, começar pelo começo, proceder com método, envidar todos os esforços».
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NO PRÓXIMO CAPÍTULO
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Capítulo IX – O trabalhador e o homem
I – Guardar o contacto com a vida
II – Saber distrair-se
III – Aceitar as provações
IV – Saborear as alegrias
V – Gozar antecipadamente os frutos
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